Representação e auto-representação das mulheres na literatura brasileira

ZOLIN, Lúcia Osana. Pós-colonialismo, feminismo e construção de identidades na ficção brasileira contemporânea escrita por mulheres. Revista Brasileira de Literatura Comparada, v. 14, n. 21, p. 51-70, 2017.

O artigo parte do discurso das personagens-narradoras dos os romances As meninas (1973), de Lygia Fagundes Telles, A república dos sonhos (1984), de Nélida Piñon, e A audácia dessa mulher (1999), de Ana Maria Machado, para refletir sobre a construção de identidades femininas na literatura brasileira contemporânea de autoria feminina, estabelecendo um diálogo com o pensamento feminista (desenvolvido a partir da década de 1970) e pós-colonialista.

No primeiro caso, “a teoria feminista pode ser conceituada como um modo acadêmico de ler a literatura, confessadamente, empenhado e de caráter político, voltado: 1) para o desnudamento e para a desconstrução de discursos que circunscrevem a opressão e a discriminação da mulher, tomada como objeto de representação literária; 2) para o desnudamento dos mecanismos estético-temáticos de práticas literárias, prioritariamente, de autoria feminina, engajadas em representações femininas que não se reduzem a reduplicações ideológicas de papéis de gênero, sancionados pelo senso comum, mas que espelham a multiplicidade e a heterogeneidade que marcam o modo de estar da mulher na sociedade contemporânea.” (p. 53).

Já em relação à teoria pós-colonial, a “principal tônica recai no questionamento, a partir da perspectiva dos marginalizados, sobre as relações entre a cultura (e, portanto, a literatura) e o imperialismo, visando à compreensão da cultura e da política na era da descolonização (BONNICI, 2000); noutras palavras, trata-se de perscrutar os rastros que a interação cultural entre colonizadores e sociedades colonizadas deixou na literatura.” (p. 53).

As personagens-narradoras desses três romances diferenciam-se de outras mulheres representadas na literatura brasileira a partir de visões eurocêntrica, escravocrata
e patriarcal, como Marília de Dirceu por Cláudio Manuel da Costa; Iracema, Lucíola e Aurélia por José de Alencar; a Moreninha por Joaquim Manuel de Macedo; Capitu e Virgília por Machado de Assis; e Madalena de Graciliano Ramos.

Em As meninas, há três personagens principais: Lorena (estudante de direito que nutre um amor platônico por M. N., casado), Lia (militante de esquerda) e Ana Clara (viciada em drogas que sonha em ser modelo e casar com um homem rico), que moram em um pensionato de freiras durante a ditadura militar. Dentre os temas explorados no romance, destacam-se a sexualidade, o uso de drogas e o papel dos militares no Estado brasileiro. Lygia Fagundes Telles utiliza alguns recursos estilísticos, como monólogo interior e fluxo de consciência.

Já em A república dos sonhos, Nélida Piñon, conta (fora de ordem) a história de aproximadamente oito décadas de imigrantes espanhóis, da Galícia, envolvendo Madruga, o patriarca da família, e quatro gerações de mulheres: a avó Teodora, a mãe Urcesina, a esposa Eulália, as filhas Esperança e Antônia, três noras, a neta Breta (a narradora) e Odete, a empregada negra agregada à família.

O último romance analisado no artigo é A audácia dessa mulher, de Ana Maria Machado.

O livro problematiza e recria textos canônicos, como A Divina Comédia e Don Casmurro (e a história de Capitu). Beatriz Bueno, uma jornalista, constrói uma nova história para Capitu.

“Desse modo, está construída uma situação narrativa que permite à escritora, no limiar do século XXI, engendrar uma narrativa que funciona como resposta feminista à ideologia patriarcal que subjaz à construção de Dom Casmurro. É dentro desse espírito que os caminhos que teriam sido trilhados por Capitu, e que não caberiam no campo de visão do narrador Dom Casmurro, são iluminados. Tudo o que não foi dado ao/a leitor/a do romance original saber sobre essa intrigante personagem feminina, a quem Machado não deu voz, sendo-lhe o perfil filtrado pela ótica do marido ciumento, é permitido conhecer agora.” (p. 67).

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EVARISTO, Conceição. Da representação à auto-apresentação da Mulher Negra na Literatura Brasileira. Revista Palmares, v. 1, n. 1, p. 52-57, 2005.

“A literatura brasileira, desde a sua formação até a contemporaneidade, apresenta um discurso que insiste em proclamar, em instituir uma diferença negativa para a mulher negra.” (p. 52). Isso já poderia ser identificado, por exemplo, na obra de Gregório de Matos. Esse discurso contribuiria para construir uma imagem deturpada da mulher negra, sem que ela fosse representada como mãe, papel que seria reservado às mulheres brancas. A autor levanta então algumas questões:

“qual seria o significado da não representação materna para a mulher negra na literatura brasileira? Estaria o discurso literário, como o histórico, procurando apagar os sentidos de uma matriz africana na sociedade brasileira? Teria a literatura a tendência em ignorar o papel da mulher negra na formação da cultura nacional?” (p. 53). As obras de José de Alencar O Guarani e Iracema, por exemplo, procuram vincular a origem do povo brasileiro à mestiçagem entre brancos e índios, sem envolver os negros. Até mesmo o romance abolicionista Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, cuja heroína é uma escrava, ela não assume as características de uma negra-africana.

Mas devem-se destacar também as escritoras negras, como Geni Guimarães, Esmeralda Ribeiro, Miriam Alves, Lia Vieira, Celinha, Roseli Nascimento, Ana Cruz e Mãe Beata de Iemonjá, Maria Firmina dos Reis (a primeira romancista abolicionista brasileira) e Carolina Maria de Jesus (autora de O quarto de Despejo).

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STOLL, Daniela Schrickte; DOS SANTOS, Rosana Cássia. O público e o privado na literatura brasileira contemporânea de autoria feminina. In: MARKENDORF, Marcio (org.). Crítica feminista e estudos de gênero. Florianópolis: UFSC, 2020. p. 218-246.

No século XIX, muitas mulheres no Brasil, valorizadas enquanto mães e esposas, estavam restritas ao lar, com exceção das escravizadas e operárias. Isso valia também para as escritoras, apesar de algumas iniciativas de resistência a essa situação. Já no século XX, assistimos a um movimento de diluição das fronteiras entre o público e o privado. Entretanto, a literatura brasileira pode ainda ser caracterizada como de classe média, branca e masculina.

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Literatura brasileira infanto-juvenil e formação do leitor literário: comunidades reais e virtuais

COELHO, Ariadne Borges; DOS SANTOS SOUSA, Julia Graziele. Literatura infanto-juvenil: formação do leitor. Revista Outras Palavras, v. 16, n. 1, p. 68-81, 2020.

A literatura infantil reproduzia uma ideologia e tinha um objetivo pedagógico, mais do que literário e mais do que se propor a formar leitores críticos.

As autoras defendem que o trabalho com textos fragmentados é inadequado. Apontam para o papel que a contação de histórias e os contos de fadas podem ter, começando inclusive em casa, com a família. E ressaltam o papel de mediador que os professores devem ter.

Em relação ao uso de tecnologias, o artigo faz algumas citações da BNCC. Reproduzimos a seguir passagens que escolhemos de 5.1. A ÁREA DE LINGUAGENS
E SUAS TECNOLOGIAS.

“As experiências com a literatura infantil, propostas pelo educador, mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o desenvolvimento do gosto pela leitura, do estímulo à imaginação e da ampliação do conhecimento de mundo. Além disso, o contato com histórias, contos, fábulas, poemas, cordéis etc. propicia a familiaridade com livros, com diferentes gêneros literários, a diferenciação entre ilustrações e escrita, a aprendizagem da direção da escrita e as formas corretas de manipulação de livros.” (p. 42).

“As práticas de linguagem contemporâneas não só envolvem novos gêneros e textos cada vez mais multissemióticos e multimidiáticos, como também novas formas de produzir, de configurar, de disponibilizar, de replicar e de interagir. As novas ferramentas de edição de textos, áudios, fotos, vídeos tornam acessíveis a qualquer um a produção e disponibilização de textos multissemióticos nas redes sociais e outros ambientes da Web. Não só é possível acessar conteúdos variados em diferentes mídias, como também produzir e publicar fotos, vídeos diversos, podcasts, infográficos, enciclopédias colaborativas, revistas e livros digitais etc. Depois de ler um livro de literatura ou assistir a um filme, pode-se postar comentários em redes sociais específicas, seguir diretores, autores, escritores, acompanhar de perto seu trabalho; podemos produzir playlists, vlogs, vídeos-minuto, escrever fanfics, produzir e-zines, nos tornar um booktuber, dentre outras muitas possibilidades. Em tese, a Web é democrática: todos podem acessá-la e alimentá-la continuamente.” (p. 68).

“Para que a experiência da literatura – e da arte em geral – possa alcançar seu potencial transformador e humanizador, é preciso promover a formação de um leitor que não apenas compreenda os sentidos dos textos, mas também que seja capaz de frui-los. Um sujeito que desenvolve critérios de escolha e preferências (por autores, estilos, gêneros) e que compartilha impressões e críticas com outros leitores-fruidores.” (p. 156).

“diferentes gêneros, estilos, autores e autoras – contemporâneos, de outras épocas, regionais, nacionais, portugueses, africanos e de outros países – devem ser contemplados; o cânone, a literatura universal, a literatura juvenil, a tradição oral, o multissemiótico, a cultura digital e as culturas juvenis, dentre outras diversidades, devem ser consideradas, ainda que deva haver um privilégio do letramento da letra.” (p. 157).

“Participar de práticas de compartilhamento de leitura/recepção de obras literárias/ manifestações artísticas, como rodas de leitura, clubes de leitura, eventos de contação de histórias, de leituras dramáticas, de apresentações teatrais, musicais e de filmes, cineclubes, festivais de vídeo, saraus, slams, canais de booktubers, redes sociais temáticas (de leitores, de cinéfilos, de música etc.), dentre outros, tecendo, quando possível, comentários de ordem estética e afetiva e justificando suas apreciações, escrevendo comentários e resenhas para jornais, blogs e redes sociais e utilizando formas de expressão das culturas juvenis, tais como, vlogs e podcasts culturais (literatura, cinema, teatro, música), playlists comentadas, fanfics, fanzines, e-zines, fanvídeos, fanclipes, posts em fanpages, trailer honesto, vídeo-minuto, dentre outras possibilidades de práticas de apreciação e de manifestação da cultura de fãs.” (p. 157).

“a ampliação de repertório, considerando a diversidade cultural, de maneira a abranger produções e formas de expressão diversas – literatura juvenil, literatura periférico-marginal, o culto, o clássico, o popular, cultura de massa, cultura das mídias, culturas juvenis etc. – e em suas múltiplas repercussões e possibilidades de apreciação, em processos que envolvem adaptações, remidiações, estilizações, paródias, HQs, minisséries, filmes, videominutos, games etc.;” (p. 500).

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Permanência e transformação do regional na literatura brasileira

PELINSER, André Tessaro; ALVES, Márcio Miranda. A permanência do Regionalismo na literatura brasileira contemporânea. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 59, e593, p. 1-13, 2020.

O estudo do regionalismo na literatura brasileira adquiriu uma perspectiva mais positiva a partir da década de 1980. Entretanto, ainda há certo preconceito em se assumir o regional, entendido, muitas vezes, como uma característica redutora e negativa de uma obra literária. Fischer (2007, p. 134), por exemplo, propõe a seguinte equação: “cidade grande + modernização + vanguarda = arte verdadeira; sem qualquer um desses itens, temos arte velha, irrelevante, desprezível, merecedora no máximo de uma nota de pé de página”.

Chiappini (1995), por outro lado, defende que o regionalismo, mesmo sendo sempre considerado ultrapassado pela crítica literária brasileira, continuava vivo em 1995, tendo se tornado tema de pesquisas atuais. Um dos desafios, nesse sentido, seria classificar a obra de Guimarães Rosa, marcada ao mesmo tempo pelo regionalismo e por um universalismo, por exemplo, da linguagem. Antonio Candido, por exemplo, defenderia que a boa literatura precisaria superar o regional em direção ao universal. Entretanto, como em outros países o regionalismo não estaria identificado a algo menor em literatura, autores estrangeiros não teriam tantas restrições em reconhecer a contribuição de Rosa inclusive pelo fato de trazer o regionalismo para a literatura.

A obra de Milton Hatoum, por exemplo, apresenta uma relação problemática com o regionalismo, que envolve, ao mesmo tempo, uma valorização do espaço e de seus elementos regionais, e uma rejeição desses espaços e elementos. “O resultado aponta justamente para as contradições entre mundos que se contrapõem, como atraso e modernidade, floresta e cidade, conservadorismo e vanguardismo, etc.” (p. 6). O artigo analisa as funções opostas dos personagens Mundo e Arana, no livro Cinzas do norte. “São duas formas de encarar o lugar da região de pertencimento frente ao restante do mundo, uma fechada em torno de seu eixo e outra aberta a novas possibilidades.” (p. 7).

Uma das perspectivas possíveis de se pensar o regionalismo na ficção brasileira contemporânea seria de dar voz aos marginalizados, de falar pelas beiras. Outra leitura da obra de Guimarães Rosa seria também possível: “Na literatura de Guimarães Rosa, enfim, a possibilidade de formular interpretações atreladas às mais diversas mitologias, à filosofia tanto ocidental como oriental, à História do Brasil, entre outras, advém da forma como uma região muito particular de Minas Gerais é ficcionalizada. Por essa chave pode-se compreender a asserção de Riobaldo, para quem “o sertão é do tamanho do mundo” (Rosa, 2001b, p. 89).” (p. 8).

Em O tempo e o vento, de Erico Verissimo, por exemplo, pode-se também questionar a função do regionalismo. É possível uma leitura de reação contra uma visão romantizada dos personagens das regiões brasileiras, em favor de uma leitura mais crítica e realista. “Não por acaso, a tradição do Regionalismo de Erico Verissimo – cuja temática não se resume ao campo, mas, também, à cidade em rápida transformação – tornou-se modelo quase obrigatório para os escritores gaúchos posteriores, e semelhanças relacionadas aos temas e às formas de abordagem podem ser encontradas nos conterrâneos Josué Guimarães, Luiz Antonio de Assis Brasil, Tabajara Ruas, Letícia Wierzchowski e Sérgio Faraco, entre outros, sem que esse “modelo” temático implique necessariamente literatura de menor valor.” (p. 9).

Luiz Antonio de Assis Brasil explora em suas obras “as contraposições entre o homem do campo e o da cidade, atraso e modernidade, memória e esquecimento” (p. 9). O artigo analisa também o romance Essa terra, de Antônio Torres, que explora a experiência do sertanejo fora do sertão e seu retorno, em uma inversão do ciclo migratório.

A conclusão do artigo sinaliza para a compreensão do Regionalismo como uma tradição literária de longa duração em nosso país e o reconhecimento da sua permanência na literatura brasileira contemporânea, o que possibilitaria a investigação das modulações e transformações pelas quais vem passando, “de modo que a ficção atual já não se apresenta utópica ou programática como nos séculos passados.” (p. 12).

Referências

CHIAPPINI, Ligia. Do beco ao belo: dez teses sobre o regionalismo na literatura. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, p. 153-159, 1995.

FISCHER, Luís Augusto. Conversa urgente sobre uma velharia – uns palpites sobre vigência do Regionalismo. Cultura e Pensamento, Brasília, n. 3, 2007.

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A lírica romântica brasileira

Costuma-se dividir a poesia do Romantismo brasileiro em três gerações, sendo os seguintes poetas classificados em cada uma das gerações:

Primeira Geração

Características: indianismo, retorno ao passado, nacionalismo, patriotismo, exaltação da natureza, religiosidade, poesia amorosa.

Principais autores:

- Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811–1882), autor de Suspiros poéticos e saudades, considerada a primeira obra do Romantismo no Brasil.

- Antônio Gonçalves Dias (1823–1864), autor do poema épico Os timbiras e o conhecido poema “Canção do Exílio”.

- Araújo Porto Alegre, que também era pintor, caricaturista, arquiteto, crítico, historiador de arte e professor.

Segunda Geração
também conhecida como ultrarromântica, byroniana ou mal-do-século

Características: individualismo, subjetivismo, egocentrismo, pessimismo, amor, morte, medo, sonho e fuga da realidade.

Principais autores:

- Manoel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852), autor de Noite na Taverna (contos) e Lira dos vinte anos.

- Casimiro José Marques de Abreu (1839-1860), poeta popular, de linguagem simples, autor do famoso poema “Meus Oito Anos”, que começa assim:

Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

- o monge beneditino Luís José Junqueira Freire (1832-1855), autor de Inspirações do claustro e Contradições poéticas.

- o boêmio Luís Nicolau Fagundes Varela (1841-1875), autor do poema “Cântico do Calvário”, inspirado na morte do seu filho Emiliano, aos três meses de vida, que começa assim:

Eras na vida a pomba predilecta
Que sobre um mar de angustias conduzia
0 ramo da esperança. — Eras a estrella
Que entre as nevoas do inverno scintillava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.

Eras o idyllio de um amor sublime.
Eras a gloria, — a inspiração, — a patria,
O porvir de teu pai! — Ah! no entanto,
Pomba, — varou-te a flecha do destino!
Astro, — engulio-te o temporal do norte!
Tecto, cahiste ! — Crença, já não vives!

Terceira Geração
Características: heterogênea, poesia social e libertária, erotismo, pecado.

Principais autores:

Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871), conhecido como o “poeta dos escravos” (a abolição da escravatura ocorrerá em 1888), é autor de Espumas flutuantes, Hinos do Equador, “Os Escravos” e “O navio negreiro: tragédia no mar”.

Sua poesia é conhecida como condoreira, sendo o condor, uma ave da Cordilheira dos Andes, um símbolo da liberdade e da visão da realidade “de cima” ou de uma perspectiva mais ampla. Mas Castro Alves também se destaca pela poesia lírico-amorosa.

Joaquim de Sousa Andrade, ou Sousândrade (1833-1902), autor de “Guesa Errante” (um Ulisses indígena), além de poesia social, foi inovador na linguagem poética, o que foi reconhecido posteriormente, por exemplo, pelos poetas concretos.

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Barroco, neobarroco e outras ruínas

HANSEN, João Adolfo. Barroco, neobarroco e outras ruínas. Revista Eletrônica de Estudos Literários-REEL, n. 02, 2006.

No longo artigo (60 p.), Hansen defende que o “barroco” só passou a existir, como categoria estética que sucede o clássico, após o movimento. Por isso, não poderia ser aplicado diretamente, sem considerações teóricas e históricas, à produção classificada como Barroco na literatura brasileira.

Voltarei aqui para resenhar o artigo.

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Marxismo e Crítica Literária

Este post é baseado em:

EAGLETON, Terry. Marxism and Literary Criticism. New York: Routledge, 2002.

O curto livro menciona vários autores, como Karl Marx, Frederick Engels, Georg Lukács, Lucien Goldmann, Pierre Macherey, Lenin, Trotsky, Walter Benjamin e Bertolt Brecht. Nesta resenha, na maior parte dos casos não mencionei os autores, procurando tentar abarcar uma visão geral sobre a crítica literária marxista. Mas vale a pena a leitura levando em consideração a associação de ideias particulares aos autores.

Inicialmente, pode-se dizer que a crítica marxista analisa a literatura em função das condições históricas que a produzem, mas devendo também estar ciente de suas próprias condições históricas, enquanto crítica. Esse tipo de crítica procura compreender ideologias — ideias, valores e sentimentos — pelas quais os homens experimentam suas sociedades em diversos momentos. Algumas dessas ideologias, inclusive, podem estar disponíveis para nós apenas na literatura.

Entretanto, a crítica marxista não deve ser considerada apenas uma “sociologia da literatura”, pois direciona também sua atenção para as formas, os estilos e os significados da literatura, procurando também compreendê-las como produtos de uma história particular.

Seguindo os preceitos do marxismo, a crítica literária marxista compreende que as relações de produção determinam a consciência:

Essas “forças” e “relações” de produção formam o que Marx chama de “estrutura econômica da sociedade”, ou o que é mais comumente conhecido pelo marxismo como a “base” econômica ou “infraestrutura”. Dessa base econômica, em todos os períodos, emerge uma “superestrutura” – certas formas de direito e política, certo tipo de Estado, cuja função essencial é legitimar o poder da classe social que detém os meios de produção econômica. Mas a superestrutura contém mais do que isso: também consiste em certas “formas definidas de consciência social” (política, religiosa, ética, estética etc.), que é o que o marxismo designa como ideologia. A função da ideologia, também, é legitimar o poder da classe dominante na sociedade; em última análise, as ideias dominantes de uma sociedade são as ideias de sua classe dominante. (p. 5).

A arte, para o marxismo, faz parte da “superestrutura” da sociedade, ou seja, da ideologia. Entender a literatura, então, significa compreender o processo social total do qual faz ela parte, o grau em que incorpora a estrutura do pensamento (ou “visão de mundo”) da classe social ou grupo ao qual o escritor pertence.

Podemos enxergar a literatura como um texto, mas também como uma atividade social, uma forma de produção social e econômica. A literatura pode ser um artefato, um produto da consciência social, uma visão de mundo; mas também é uma indústria. Os livros não são apenas estruturas de significado, são também mercadorias produzidas por editoras e negociadas no mercado.

A arte, como qualquer outra forma de produção, depende de certas técnicas de produção. Essas técnicas fazem parte de suas forças produtivas, são o palco de desenvolvimento da produção artística, e envolvem um conjunto de relações sociais entre o produtor artístico e seu público. Assim, contra uma visão romântica do autor como criador, a crítica marxista propõe uma visão do autor como produtor.

A forma da obra literária seria o trabalho do conteúdo na esfera da superestrutura. Nesse sentido, a própria forma poderia ser considerada ideológica. Entretanto, as obras literárias não são meros reflexos de ideologias dominantes: o objeto de literatura é deformado, refratado, dissolvido.

O estruturalismo genético de Lucien Goldmann é apresentado como tendo interesse em como as estruturas foram se construindo historicamente.

O que Goldmann está buscando, então, é um conjunto de relações estruturais entre o texto literário, a visão de mundo e a própria história. Ele quer mostrar como a situação histórica de um grupo ou uma classe social é transposta, pela mediação de sua visão de mundo, na estrutura de uma obra literária. Para fazer isso, não basta começar com o texto e trabalhar para fora para a história, ou vice-versa; o que é necessário é um método dialético de crítica que se move constantemente entre texto, visão de mundo e história, ajustando cada um aos outros.

Há ainda uma vertente da crítica literária marxista mais focada na literatura voltada para o desenvolvimento social ou mesmo o proletariado.

Já a arte revolucionária não se proporia a transformar apenas o conteúdo, mas também os modos da produção artística.

Na década de 1980, a crítica literária marxista teria passado a perder terreno para o feminismo, pós-estruturalismo e, um pouco mais tarde, pós-modernismo. Para o autor, a questão de como descrever a relação na arte entre a “base” e a “superestrutura”, entre a arte como produção e a arte como ideológica, seria uma mais importantes que a crítica literária marxista teria agora a enfrentar.

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Estruturalismo

Pode-se identificar o surgimento do Estruturalismo com o livro Curso de linguística geral (1916), de Ferdinand de Saussure.

Como o próprio nome sugere, o Estruturalismo procura enxergar a realidade por meio de estruturas ou relações sociais, culturais e psicológicas.

Outros nomes: o antropólogo Claude Lévi-Strauss, os linguistas escandinavo Louis Hjelmslev e francês Émile Benveniste, e Roman Jakobson, membros da Escola de Linguística de Praga. Em teoria e estudos literários, destacam-se Roland Barthes, Julien Greimas e Tzvetan Todorov, Claude Bremond.

Merecem ser citados como continuadores do Estruturalismo Jacques Derrida (com ênfase na literatura), Jacques Lacan e mesmo Jean Piaget (com ênfase na psicologia), Michel Foucault (teoria do conhecimento), Louis Althusser (marxismo e análise social).

RIVETTI, Ugo. Marxismo, estruturalismo e análise literária, de Raymond Williams. Tradução de Ugo Rivetti. Plural, v. 21, n. 1, p. 195-216, 2014.

Os formalistas diziam: a omissão crucial que vocês estão fazendo é daquela qualidade que faz de uma obra uma obra literária. Isso não será encontrado naquilo que vocês estão investigando, que é a relação de uma obra com alguma outra coisa. A questão central, necessariamente, é: o que faz dessa obra específica uma obra literária?

Uma das tendências mais comuns no estruturalismo, de valor notável em Antropologia e em Linguística, é a de se recusar a interpretar um evento em seus próprios termos isolados ou em sua forma imediata de apresentação. Ela objetiva, isto sim, localizar um evento, uma relação ou um signo dentro de todo um sistema significante.

Na análise literária, observa-se uma preocupação com a organização interna do texto.

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Teoria da literatura: formalistas russos.

TEORIA da literatura: formalistas russos. 3. ed. Porto Alegre: Globo, 1976.

O livro é grande, então aqui inicialmente algumas pinceladas, com a pretensão de voltar e ir ampliando o post.

No Prefácio, Boris Schnaiderman aborda inicialmente a fundação do Círculo Linguístico de Moscou (1914), com o objetivo de promover estudos de poética e de linguística, como por exemplo a função poética. Observar-se-á uma aproximação entre a crítica formalista e poesia arrojada e revolucionária da época. O formalismo russo procurará chamar a atenção para aspectos do processo literário, mais do que para elementos externos ao texto. A extinção do movimento é abrupta, seguida de muitas críticas, tendo o Círculo Linguístico de Praga desenvolvido algumas ideias do formalismo russo.

“A Teoria Literária dos Formalistas Russos no Brasil”, de Dionísio de Oliveira Toledo, complementa a abertura do livro. O autor lista como primeiros formalistas os críticos e escritores Vítor Chkiovski, L. Jacob insky, E. Polinanov, O. Brik, B. Eikienbaum, V. Jirmunski e J. Tynianov e o filólogo R. Jakobson.

Os ‘formalistas’ tentaram a elaboração de uma teoria e a relativa sistematização das obras literárias a contar da perspectiva do procedimento artístico [...] independentemente dos temas ou dos motivos psicológicos ou sociais; tratava-se, pois, de eliminar totalmente o contraste entre conteúdo e forma, a favor de uma concepção para a qual todos os elementos da obra, a idéia como o ritmo, são fatores artísticos, só operando enquanto tais. (XXVI-XXVII).

Dionísio chama a atenção para a revista Poetika, que começou a ser publicada em 1919 e teria se constituído como um órgão do grupo. No ano de 1929 o movimento teria entrado em crise. O autor apresenta uma bibliografia disponível em português sobre os formalistas russos:

René Wellek e Austin Warren, Teoria da Literatura. EuropaAmérica.
René Wellek, História da Crítica Moderna. Herder.
Vitor Manuel de Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, Livraria Almeida, Coimbra, 1969.
Roman Jakobson, Lingüística e Comunicação, Cultrix, 1969,
Leonid Grossman, Dostoiewski Artista, Civilização Brasileira, 1967.
Leon Trotsky, Literatura e Revolução, Zahar Editores, 1969.
Tzvetan Todorov, As Estruturas Narrativas, Editora Perspectiva, 1969.

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Can the subaltern speak?

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the subaltern speak?. Die Philosophin, v. 14, n. 27, p. 42-58, 2003.

O artigo é longo e denso, merecendo várias leituras (então devo voltar por aqui para ampliar esta pincelada inicial).

A autora faz uma crítica da noção do sujeito europeu ocidental descontextualizado e da construção do sujeito colonial como Outro, diferente de um ideal. Critica também uma narrativa coerente da realidade estabelecida como a normativa pelo imperialismo.

Dentre os diversos conceitos discutidos está o de representação, por diversas perspectivas.

Diversos autores são trazidos para a discussão – p.ex. Foucault, Deleuze, Derrida e Freud -, assim como conceitos essenciais, como poder e desejo.

O artigo apresenta também vários exemplos para ilustrar os conceitos, sendo que o de um suicídio percorre todo o texto.

Os subalternos podem mesmo falar? Com que voz e consciência eles podem falar?

O sujeito subalterno é heterogêneo, e a mulher subalterna está nas sombras.

Um dos pontos discutido durante todo o artigo é o papel dos intelectuais nessas discussões.

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Uma breve história dos estudos decoloniais

QUINTERO, Pablo; FIGUEIRA, Patrícia; ELIZALDE, Paz Concha. Uma breve história dos estudos decoloniais. Trad. Sérgio Molina e Rubia Goldoni. São Paulo: MASP Afterall, 2019. Resenha de João Mattar.

O artigo é uma condensação e atualização de:
GRUPO DE ESTUDIOS SOBRE COLONIALIDAD (GESCO). Estudios Decoloniales: Un Panorama General. KULA. Antropólogos del Atlántico Sur, Buenos Aires, n. 6, p. 8-21, 2014.

Em uma nota, os autores discutem o uso das palavras descolonial e decolonial:

Não há consenso quanto ao uso do conceito decolonial/descolonial, ambas as formas se referem à dissolução das estruturas de dominação e exploração configuradas pela colonialidade e ao desmantelamento de seus principais dispositivos. Aníbal Quijano, entre outros, prefere referir-se à descolonialidad, enquanto a maior parte dos autores utiliza a ideia de decolonialidad. Segundo Catherine Walsh (WALSH, Catherine (org.). Interculturalidad, Estado, sociedad: luchas (de)coloniales de nuestra época. Quito, Universidad Andina Simón Bolívar–Abya- -Yala, 2009.), a supressão do “s” não significa a adoção de um anglicismo, mas a introdução de uma diferença no “des” castelhano, pois não se pretende apenas desarmar ou desfazer o colonial. (p. 4).

O texto começa destacando a importância das publicações do sociólogo peruano Aníbal Quijano (1928-2018) sobre colonialidade, revisitando a noção de modernidade, e do projeto MCD – Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade (ESCOBAR, 2005).

Os estudos decoloniais apresentam semelhanças e diferenças em relação aos estudos subalternos e pós-coloniais. O intelectual e ativista palestino Edward Said (1935-2003) exerceu influência sobre esses dois conjuntos de crítica. Os estudos subalternos são inaugurados na Índia pelas pesquisas de Ranajit Guha, com forte influência do marxismo gramsciano, constituindo durante a década de 1980 uma importante contribuição para a crítica do eurocentrismo e das dinâmicas gerais do colonialismo. Já os estudos pós-coloniais desenvolveram-se influenciados pelo pós-modernismo e pelo pós-estruturalismo.

Os procedimentos conceituais associados aos estudos decoloniais mencionados no texto (p. 5) são:

1. A localização das origens da modernidade na conquista da América e no controle do Atlântico pela Europa, entre o final do século 15 e o início do 16, e não no Iluminismo ou na Revolução Industrial, como é comumente aceito;
2. A ênfase especial na estruturação do poder por meio do colonialismo e das dinâmicas constitutivas do sistema-mundo moderno/capitalista e em suas formas específicas de acumulação e de exploração em escala global;
3. A compreensão da modernidade como fenômeno planetário constituído por relações assimétricas de poder, e não como fenômeno simétrico produzido na Europa e posteriormente estendido ao resto do mundo;
4. A assimetria das relações de poder entre a Europa e seus outros representa uma dimensão constitutiva da modernidade e, portanto, implica necessariamente a subalternização das práticas e subjetividades dos povos dominados;
5. A subalternização da maioria da população mundial se estabelece a partir de dois eixos estruturais baseados no controle do trabalho e no controle da intersubjetividade;
6 . A designação do eurocentrismo/ocidentalismo como a forma específica de produção de conhecimento e subjetividades na modernidade.

Essas operações epistêmicas são entrelaçadas pela categoria colonialidade do poder, a face oculta da modernidade associada ao capitalismo:

A colonialidade do poder configura -se com a conquista da América, no mesmo processo histórico em que tem início a interconexão mundial (globalidade) e começa a se constituir o modo de produção capitalista. (p. 5).

A emancipação latino-americana no início do século 19 teria marcado a superação política do colonialismo, mas não da colonialidade.

Os autores definem então quatro conceitos: colonialidade do saber, do ser, da natureza e do gênero.

A colonialidade do saber, trabalhada na coletânea de Lander (2000), aponta para o caráter eurocêntrico do conhecimento moderno e sua articulação com as formas de dominação colonial/imperial.

Nesse sentido, o eurocentrismo funciona como um locus epistêmico de onde se constrói um modelo de conhecimento que, por um lado, universaliza a experiência local europeia como modelo normativo a seguir e, por outro, designa seus dispositivos de conhecimento como os únicos válidos. (p. 7).

Já a colonialidade do ser, proposta no capítulo de Maldonado-Torres (2007), envolve o constructo “raça” e a desqualificação epistêmica do outro:

A colonialidade do ser como categoria analítica viria revelar o ego conquiro que antecede e sobrevive ao ego cogito cartesiano (DUSSEL, 1994), pois, por trás do enunciado “penso, logo existo”, oculta -se a validação de um único pensamento (os outros não pensam adequadamente ou simplesmente não pensam) que outorga a qualidade de ser (se os outros não pensam adequadamente, eles não existem ou sua existência é dispensável). Dessa forma, não pensar em termos modernos se traduzirá no não ser, em uma justificativa para a dominação e a exploração. (p. 7-8).

A colonialidade da natureza envolve questões ecológicas e ambientais e suas relações com o capitalismo e o neoliberalismo.

Por fim, a colonialidade do gênero (e da sexualidade) admite articulação com as teorias feministas.

Os autores apontam ainda, como estudos da decolonialidade, o resgate de obras latino-americanas esquecidas e pensamentos alternativos, além do desenvolvimento de pesquisas teóricas e históricas, incluindo movimentos sociais e trabalho, citando alguns autores e obras. Vários estudos, apesar de não se classificarem como decoloniais, assumem alguns de seus pressupostos teóricos e metodológicos.

Referências

DUSSEL, Enrique. El encubrimiento del otro. Hacia el origen del mito de la modernidad. Quito: AbyaYala,1994.

ESCOBAR, Arturo. Más allá del tercer mundo: globalización y diferencia. Bogotá: Instituto Colombiano de Antropología e Historia—Universidad del Cauca, 2005.

LANDER, Edgardo (org.). La colonialidad del saber: eurocentrismo y ciencias sociales. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2000.

MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (org.). El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007. p. 127-167.

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